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e os seus efeitos terapêuticos, com destaque para a vertente musical

quarta-feira, 2 de março de 2011

Educação pela arte

Uma (educação artística) é a única que dá harmonia ao corpo e enobrece a alma (…). Devemos fazer Educação com base na arte logo desde muito cedo, porque ela pode operar na infância durante o sono da razão. E quando a razão surge, a arte terá preparado o caminho para ela. Então ela será bem-vinda, como um amigo cujas feições essenciais têm sido há muito familiares

Platão in Fedro


Desde os primórdios da Humanidade surgiu a necessidade de expressão através da arte. A arte rupestre, de que são exemplos as gravuras paleolíticas de Foz Coa, gravadas nas rochas há cerca de 30 000 anos, é um exemplo ilustrativo desse facto.

O Homem terá sentido a ânsia de comunicar através da arte. E não é só numa perspectiva filogenética que tal se verifica. Sabe-se que desde muito cedo a criança começa a expressar-se através de garatujas. Portanto, também duma perspectiva ontogenética essa necessidade se manifesta. Pode-se, pois, fazer um paralelismo entre a infância do criança e a infância da Humanidade, em relação às diversas formas de arte: expressão musical, expressão plástica, expressão pelo movimento, expressão dramática .

A Educação pela Arte é um conceito de educação baseado na filosofia da educação, na psicologia e na pedagogia e que tem como objectivo a formação integral do ser humano, opondo uma educação atomizada versus uma educação holística, em que o desenvolvimento da personalidade do indivíduo é o foco principal. Já na Grécia antiga, com uma concepção um pouco antropomórfica da cultura, Pitágoras terá preconizado este conceito de educação, enquanto Sócrates propunha uma formação através do autoconhecimento, tendo estas concepções sobre educação influenciado Platão, que dissertou sobre a necessidade de a educação ser feita com base na formação de uma pessoa encarada como um todo indissociável e evolutivo.

Não foi, porém, neste sentido, que ao longo da história da educação se caminhou, tendo-se pelo contrário acentuado cada vez mais um magistercentrismo que chegou aos nossos dias, com variantes mais ou menos graves da autoridade dos mestres sobre os educandos, dependendo os conceitos sobre educação das conjunturas sociopolíticas e económicas vigentes.

No séc. XX, Herbert Read, crítico inglês de arte, retoma a tese de Platão de que a arte deve ser a base de toda a Educação, fundamentando os seus estudos numa psicologia da criança e do adolescente e na filosofia da arte. Herbert Read é pois, o pai da Educação pela Arte Contemporânea. Em 1954, sob a sua influência, foi criada em Londres a INSEA (International Society for Education through Art) à qual Portugal desde logo aderiu.

Em 1956 nasce em Portugal a Associação Portuguesa de Educação pela Arte. O objectivo é o recurso às artes para se atingir uma formação global a nível afectivo, cognitivo, social e motor numa perspectiva de desenvolvimento de todas as áreas de expressão: musical, plástica, dramática, corporal, vocal… Em 1965, no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Gulbenkian, da qual seria mentor o pedopsiquiatra Arquimedes da Silva Santos, inicia-se uma experiência piloto de formação de professores de Educação pela Arte. Em 1971 é criado no Conservatório Nacional a Escola Superior de Educação pela Arte, curso esse que viria a terminar em 1981, restando a esperança de que tão rica experiência viesse a ter enquadramento nas futuras Escolas Superiores de Educação que se viriam criar nos anos oitenta. Na realidade tal não aconteceu. Criado em 1994, o Movimento Português de Intervenção Artística e Educação pela Arte, continua a lutar para que não morra a vontade de um dia ver acessível a todos uma pedagogia que almeja a formação integral do indivíduo, em que razão e estética se articulem, em que o indivíduo se sinta socialmente integrado, mas crítico, interventivo e criativo.

Consubstanciando, a finalidade platónica de juntar o Belo ao Bem.


Texto adaptado do artigo “Educação pela Arte”, de Vera Quintanilha, publicado na revista Educadores de Infância nº 39 referente a Setembro de 2008 (Editora Ediba).

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